Rodas de Leitura: 20 mil léguas submarinas

23 de maio de 2022

Rodas de Leitura: 20 mil léguas submarinas

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Este episódio foi gravado com os estudantes do Colégio Estadual Ângelo Volpato, em Curitiba, no dia 24 de junho de 2022.

Um escritor à frente do seu tempo

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Jules Vernes, autor de 20 mil léguas submarinas. Foto: Reprodução.

Por Jonatan Silva

O escritor francês Jules Vernes (1828 – 1905) – ou Júlio Verne, como muitas vezes chamamos o autor por aqui – foi um dos nomes mais importantes da literatura universal. A sua imaginação e a capacidade de criar histórias até então inimagináveis o fez precursor da ficção científica e daquilo que conhecemos hoje como literatura de antecipação, ou seja, obras literárias que tratam de temas e situações à frente do seu tempo, mas possíveis hoje em dia, como é o caso de 20 mil léguas submarinas.

Ainda que já se ensaiasse a construção de submarinos desde os séculos XVI e XVII, somente na Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) é que as embarcações submersas foram utilizadas com frequência. Vernes não era um oráculo, um advinha, mas estava plenamente ciente das pesquisas e dos desejos pela conquista do mundo submerso. Vernes, por sinal, escreveria Da Terra à Lua (1865), que retrataria a chegada do homem ao espaço, muito antes de isso efetivamente acontecer.

As aventuras do professor Aronnax a bordo do Náutilus, o submarino comandado pelo capitão Nemo, foram publicadas pela primeira vez em formato de folhetim, um capítulo de cada vez em uma revista chefiada pelo editor de Vernes. A publicação de 20 mil léguas submarinas começou em 1869 e terminaria somente no ano seguinte, sendo dividida em duas partes e, posteriormente, lançada como livro. Dado ao ineditismo e à ousadia, a história foi um sucesso e ajudou a consolidar Jules Vernes como escritor profissional – o que lhe valeu uma legião de admiradores, mas também a pecha de ser popular demais, impedindo que ingressasse na Academia Francesa de Letras.

Como em A Volta ao mundo em 80 dias (1873) ou Viagem ao centro da Terra (1864), 20 mil léguas submarinas explora a Ciência a partir de uma perspectiva humanista. Vernes faz de seus personagens homens interessados nos avanços científicos e no progresso da sociedade. Ao mesmo tempo, seus protagonistas são homens solitários que, mesmo cercados de gente, não conseguem se encaixar. Aronnax é um sujeito inteligentíssimo, dono de uma cultura erudita e pouco comum para a sua época – e até para a nossa –, porém, parece estar sempre deslocado, tateando como construir essas relações.

Quando se torna prisioneiro do capitão Nemo, o professor, Conselho, criado de Aronnax, e Ned Land, arpoador contratado para caçar o que se pensava ser um monstro marinho, se vêem em uma encruzilhada do destino. Tinham a chance de cruzar os sete mares a bordo de uma engenhoca ultramoderna, entretanto, tornaram-se incapazes de exercer as suas próprias liberdades. Além de Aronnax, Nemo, um marinho rico e misantropo, não conseguia se colocar em relação com as outras pessoas – não à toa, desaparecia por semanas dentro do seu submarino.

Aventura e masculinidade

Quando 20 mil léguas submarinas foi escrito, a ideia de masculinidade era completamente diferente de como a enxergamos agora. Naquela época, as mulheres, praticamente, não tinham nem vez e nem voz. Era comum, por exemplo, que para que pudessem publicar seus livros utilizassem pseudônimos masculinos. Diante desse contexto, pense: quantos personagens femininos você encontrou em 20 mil léguas submarinas? Pois é, isso nos diz muito a respeito das relações de poder estabelecidas no século XIX.

Ao longo de todo o livro percebemos que Vernes deu a luz a personagens complexos, que não são unidimensionais ou planificados. Na prática, isso significa que são homens contraditórios e cheios de dificuldades de lidar com essas contradições. Todos, sem exceção, usam de sua masculinidade para criar uma relação de hierarquia, sendo Conselho, dentre os principais personagens, o mais baixo elemento dessa pirâmide. Servil e submisso, é um sujeito que, apesar de inteligente, pouco tem de autonomia: suas ações ficam restritas às de seu amo ou à permissão deste.

Em Aronnax a questão é ainda mais ardilosa: a sua masculinidade ferida, pelo sentimento de solidão e desajuste, está escondida sob um verniz social de grossa camada. A sua inteligência e desenvoltura intelectual escamoteiam um homem inseguro e, por vezes, arrogante. No caso do capitão Nemo, o seu dinheiro – que poderia saldar a dívida da França – tentar comprar a sua paz. O Náutilus é a materialização da sua impossibilidade de suportar os sofrimentos e lutos que a vida impõe. Ned Land, em sua simplicidade, é um homem rústico, o oposto do seu patrão. Se Aronnax é contido pela sua educação, o arpoador é direto por não estar preso a essas amarras.

Outro aspecto bastante importante é o caráter aventureiro da literatura de Jules Vernes. Literatura de aventura, por sinal, é um gênero que fez bastante sucesso, atingindo seu auge nos séculos XVIII e XIX. No panteão dos autores que ajudaram consagrar esse tipo de literatura estão Daniel Defoe (1660 – 1731), com Robinson Crusoé; Mark Twain (1835 – 1910), e as aventuras de Tom Sawyer e Huckleberry Finn; Robert Louis Stevenson (1850 – 1894), autor de A Ilha do tesouro e O Médico e o monstro; Alexandre Dumas (1802 – 1870), célebre por Os Três mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo; e Vernes, claro. 

Em todos esses livros, que são peças maravilhosas de uma literatura inventiva e interessantíssima, a figura feminina ou tem como função narrativa ser o par romântico do protagonista ou é pouco presente ou completamente ausente. Como se vê, a literatura de aventura é produzida por homens e focada em um público leitor masculino.

Vernes e o cinema

Tamanha a força imaginativa de Vernes, não é de admirar que seus livros, tão logo o cinema surgiu, foram adaptados para as telonas. Da Terra à Lua foi um dos primeiros virou filme em 1902, em Viagem à Lua, pelas mãos de Georges Méliès, um dos precursores da sétima arte. Cinquenta anos mais tarde, o mesmo romance serviria de base para um longa-metragem homônimo, dirigido por Byron Haskin. 

20 mil léguas submarinas ganhou quase 15 adaptações, sendo a primeira de 1905 e a mais recente de 2002, com destaque para a versão de 1954 produzida pela Disney e dirigida por Richard Fleischer. Viagem ao centro da Terra possui dois filmes: o primeiro de 1959, e o segundo de 2008. A Volta ao mundo em 80 dias foi transformada em peça de teatro, radionovela, série de TV e em filme, por seis vezes, sendo a última, de 2004, com Jackie Chan no papel principal.

Pontos importantes para entender 20 mil léguas submarinas

  • Literatura de antecipação
  • Narrativa cinematográfica
  • Aventuras unicamente masculinas
  • Relação entre literatura e ciência

Que tal compartilhar com a gente um pouco da sua leitura?

Saiba mais

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Cinema e televisão

Trailer: 20 mil léguas submarinas (1954)

Animação: 20 mil léguas submarinas

Trailer: Viagem ao centro da Terra (2008)

Podcast: Vinte mil léguas – o podcast de ciência e livros

Literatura em voz alta

Os atores Hélio Barbosa, Mauro Zanatta e Cesar Almeida interpretam por meio de uma leitura dramática um trecho selecionado da obra 20 mil léguas submarinas, de Jules Verne. O livro faz parte do projeto Rodas de leitura: discussões sobre a masculinidade na Literatura.

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