Rodas de Leitura: Um Certo Capitão Rodrigo

12 de maio de 2022

Rodas de Leitura: Um Certo Capitão Rodrigo

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Este episódio foi gravado com os estudantes do Colégio Estadual Euzébio da Mota, em Curitiba, no dia 14 de junho de 2022.

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Uma guerra particular

O escritor Erico Verissimo, em sua casa. Foto: Reprodução.

Por Jonatan Silva

Publicado originalmente em 1973, Um certo Capitão Rodrigo é uma das partes da obra mais importante de Erico Verissimo, O Tempo e o vento – composto de três partes: O Continente (1949), O Retrato (1951) e O Arquipélago (1961) –, considerado o maior épico da literatura brasileira e que, dentre outros temas, narra a formação do Rio Grande do Sul. E nesse breve romance o escritor gaúcho narra a origem da família Terra Cambará, que será o centro de sua obra-prima.

Explorando as lendas e a História do seu estado, Erico Verissimo dá corpo a um dos personagens mais fascinantes da nossa literatura, o capitão Rodrigo Cambará, um homem curioso, sedutor e intrépido. Chegando em Santa Fé, cidade interiorana comandada pelo clã de Ricardo Amaral, um coronel dos pampas, o Capitão se vê afrontado pelos costumes do povo local. A primeira cena é, justamente, o diapasão de todo o livro e o espelhamento dessas duas realidades: o encontro entre o pacífico Juvenal Terra e o espalhafatoso e galhofeiro Rodrigo Cambará.

O Capitão Rodrigo é herdeiro de uma linhagem de homens de guerra, orgulhoso de que nenhum Cambará morre na cama ou velho. Ele próprio apeia seu cavalo em Santa Fé depois de lutar na Banda Oriental, território hoje do Uruguai, durante a Guerra da Cisplatina (1825 – 1928), conflito entre Brasil e Argentina, e que terminou com o exército brasileiro derrotado e o país afundado em uma grande crise financeira. Todos esses são elementos que Erico Verissimo pontua em seu romance, porém, sem nomeá-los para o leitor. Em Um certo Capitão Rodrigo nos deparamos com muitas pistas para entender a História do Brasil, a partir da criação do povo gaúcho.

É interessante que, assim como em O Tempo e o vento, aqui testemunhamos a formação da construção da língua portuguesa no Rio Grande do Sul. O autor não usa somente uma língua padrão, mas avança sobre coloquialidade, ou seja, escreve como falamos e, no caso dos santa-feenses, o português se mistura com o espanhol – algo que até hoje acontece nas cidades fronteiriças.

Masculinidade e guerra

Erico Verissimo concentra em Um certo Capitão Rodrigo muitas literaturas: é um romance romântico, um livro de aventura, uma história de guerra, um romance histórico e tantos outros gêneros. Todas as peças se encaixam perfeitamente nesse mosaico que tem como chave Rodrigo Cambará. Belicoso e bravio, o Capitão só poderia se assentar em Santa Fé por uma paixão inesperada. Bibiana Terra, irmã de Juvenal e neta de Ana Terra – figura importante na saga principal de Verissimo e que também tem um volume só para si na bibliografia do escritor –, moça bonita e tenaz luta por esse amor cujo fracasso é antevisto pelo pai.

Já casado com Bibiana, e com dois filhos em casa, Rodrigo Cambará vive entre os amores fugidios de suas amantes, o jogo, a bebida e, claro, a guerra – a Revolução Farroupilha, a tentativa rebelde de separar do Brasil o Rio Grande do Sul, começa a estourar e logo deve chegar a Santa Fé. A sua masculinidade, na verdade a ideia do masculino nessa época, é formada a partir dessa dissociação entre a vida caseira e as aventuras do mundo. Depois de conquistar Bibiana, por intermédio do Padre Lara e após duelar com Bento Amaral, o Capitão é anestesiado pelos seus instintos.

Diante desse abismo particular, e que abriga as muitas guerras – armadas ou não – do Capitão Rodrigo, é Bibiana quem assume a frente da família. A morte da filha e o escapismo do marido fazem da jovem sonhadora uma mulher resignada, mas não distante, capaz de ler e interpretar o mundo à sua volta.

Erico Verissimo constrói um retrato primoroso desse homem cheio de conflitos e demônios. Entrincheirado em seu passado de glórias, o protagonista se transforma em alguém amorfo, sem voz. À medida em que o romance avança, Rodrigo Cambará desaparece: as ações deixam de se dar através dele, passando a acontecer ao redor do protagonista. A redenção, na busca sem fim de recuperar o tempo e a sua virilidade, só tem êxito quando a Revolução Farroupilha finalmente se torna incontornável. Somente quando é morto em batalha é que o Capitão Rodrigo tem a honra lavada e a memória resgatada.

Se olharmos atentamente ao Brasil, a História está cheia de episódios de heroísmo algum e que foram transformados em legado: da Independência à Proclamação da República e até mesmo a Revolução Farroupilhas, que tinha nas suas lideranças rebeldes que já haviam tentado implantar revoltas em outros estados brasileiros. Rodrigo Cambará segue o modelo desses homens – que, como já dissemos, não morrem nem na cama e tampouco de velhice – e, portanto, a sua trajetória segue um caminho cíclico e que irá inspirar seu neto, Rodrigo Terra Cambará em O Retrato, a segunda parte da trilogia O Tempo e o vento.

Um certo Capitão Rodrigo é um romance curto e vigoroso, de um universo complexo e que consegue condensar o ideal masculino do seu contexto histórico e social, ao mesmo tempo em que fornece caminhos para entender a construção do retrato do homem na sociedade brasileira do futuro.

Das páginas para as telas

Os universos, histórico e ficcional, que Verissimo criou para O Tempo e o vento foi uma rica fonte para adaptações para o cinema e a televisão. Boa parte do interesse dos diretores e produtores vem, justamente, das minúcias da narrativa e do apuro histórico com que o escritor compôs o romance. Seis anos após a publicação da última parte de O Arquipélago, em 1961, o épico ganhou a sua primeira versão para a tevê: uma novela dividida em 210 capítulos produzida pela TV Excelsior.

Na a entrada da década de 1970, Um certo Capitão Rodrigo virou filme, sob a direção de Anselmo Duarte e com Francisco di Franco como protagonista. No ano seguinte, Ana Terra foi parar nos cinemas em película dirigida por Durval Garcia.

Em 1985, O Tempo e o vento foi transformada em série para a Globo. Dirigida por Paulo José, e segmentada em quatro fases, a atração tinha um elenco de peso para a época: Glória Pires, Tarcísio Meira, Lima Duarte, José de Abreu e Louise Cardoso. Mais recentemente, a saga de O Tempo e o vento retornou aos cinemas, desta vez em filme dirigido por Jayme Monjardim e trazendo Thiago Lacerda como Capitão Rodrigo Cambará e Marjorie Estiano no papel de Bibiana.

Além de as adaptações para o cinema e para a televisão de sua obra mais importante, Verissimo também teve outros romances transformados em série e filmes como Incidente em Antares, Olhai os lírios do campo, O Resto é silêncio, Música ao longe.

Pontos importantes para entender Um certo Capitão Rodrigo

  • A Guerra da Cisplatina
  • A Revolução Farroupilha
  • Os conflitos armados como identidade e masculinidade
  • A formação do Brasil imperial

Que tal compartilhar com a gente um pouco da sua leitura?

Saiba mais

Leia também

Cinema e Televisão

Trailer – O Tempo e o vento (2013)

Bastdores – O Tempo e o vento (2013)

Trecho – O Tempo e o vento (1985)

Filme – Um certo Capitão Rodrigo (1971)

Música

Um certo Capitão Rodrigo – Kleiton e Kledir

Literatura em voz alta

O ator Orlando Brasil interpreta por meio de uma leitura dramática um trecho selecionado da obra Um certo capitão Rodrigo, de Erico Veríssimo. O livro faz parte do projeto Rodas de leitura: discussões sobre a masculinidade na Literatura.

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